Acredito que podemos sempre mudar a perspectiva pela qual olhamos nossas vidas e os contornos que se vão desenhando. Este, é o motivo pelo qual trago esta história.
Paula, é mãe da Joana, uma jovem adolescente que à semelhança da mãe irradia luz e alegria por onde passa. Por opção, aceitou com muito amor e coragem o desafio de educar a filha sozinha. A gravidez foi muito tranquila, e o parto também correu bem, teve alta, levou a filha para realizar o teste do pezinho e foi para casa muito feliz com sua princesinha no colo...
Lembra-se o que estava fazendo e tem bem presente na memória a imagem do momento, em que recebeu o telefonema, solicitando que no dia seguinte logo pela manhã levasse a filha ao hospital. Isto, porque havia sido detectada uma alteração no teste do pezinho.
A filha tinha apenas nove dias de vida, na consulta veio a saber que a pequena era portadora de Fenilcetonúria, teria de iniciar imediatamente dieta hipoproteica e tratamento pela equipe de doenças metabólicas no hospital de sua zona de residência.
Jamais ouvira falar da doença. Sentiu-se assustada e literalmente sozinha, perdida, com medo do futuro, e o que estaria reservado para aquela “criaturinha” tão amada. Era como se o mundo tivesse desabado naquele momento em sua cabeça, sentiu fortemente o peso da responsabilidade de cuidar da filha, sem alguém com quem dividir as preocupações.
Com o passar dos dias, graças às informações que ia recebendo e assimilando, compreendeu a gravidade da doença e tudo que poderiam advir.
Sabia que o desafio era enorme, olhava para sua filhinha e buscava força interior para lidar com a nova rotina.
Em poucos dias viu sua cozinha transformar-se num verdadeiro “laboratório”.
Justamente ela, que detestava cozinhar, teve que colocar a “mão na massa”, eram experiências atrás de experiências, contas e mais contas para fazer comida (regras de 3 simples), workshops de culinária, criação de receitas, invenção de novos sabores e texturas.
Quem há tempos conhece a Paula, sabe que este foi um ato de amor e superação, ao qual, jamais havia cogitado se submeter. E quem diria? Passou a gostar da cozinha, que atualmente diz com orgulho, ser seu local de relaxamento.
Tudo precisava ser bem pensado e planejado, a começar pelas compras, até a confecção das refeições, para que nada lhe fizesse mal. Por isso mesmo, fazia toda a comida para a escola, aniversários, idas à casa de amigos e familiares.
Mesmo nos restaurantes, a lancheira com as marmitas, não podia ser esquecida. Mas era preciso ensinar a Joana, desde cedo a ler rótulos, tabelas nutricionais, saber escolher o que comer e, o mais importante, a não aceitar nada que ninguém lhe oferecesse.
Trabalho fantástico que esta mãe desempenhou, aos três anos a filha já sabia explicar a doença. Explicação esta, que naturalmente foi sendo sofisticada pela própria menina, que age com naturalidade ao falar de sua condição.
O mais difícil para a mãe, era gerir as emoções, pois para acompanhar a evolução da doença, sempre que um alimento novo era introduzido tinha que levar a filha para coletas de sangue; medir semanalmente, quinzenalmente e mensalmente os níveis de fenilalanina no sangue.
Todavia, tinha que ser feito, e para seu alento, em uma das idas às consultas no centro de referência, conheceu a Apofen, associação que tem-na ajudado, bem como ajuda tantas outras famílias nesta trajetória.
O papel desta instituição é informar e proporcionando momentos de partilha entre mães, pais e filhos com doenças metabólicas. Consegue reforçar o sentido de pertencimento e senso de responsabilidade, através do campo de férias, no qual, o paciente convive em clima descontraído com outras pessoas que vivem a mesma realidade.
Paula faz questão de participar do encontro nacional da Apofen, realizado anualmente. Considera este um importante momento de reflexão e partilha que ajuda todos os envolvidos a não sentirem-se sozinhos nesta caminhada.
Ela ficava surpresa ao se deparar pelo caminho com a falta de conhecimento da população em geral, e até mesmo de alguns colaboradores da classe médica e farmacêutica.
Imaginou uma maneira de mudar esta realidade, e utilizou sua habilidade com a escrita, pois é professora do ensino básico, para escrever um livro infantil, “Planeta PKU”, que culminou com repercussão na TV.
Planeta PKU |
Dando início a um grande trabalho de conscientização e vontade que a dieta da filha e os cuidados com a alimentação de seu grupo, um dia tenha a mesma notoriedade que existe no caso dos pacientes celíacos, intolerantes à lactose, entre outros.
Deste modo quem sabe haveria interesse, sobretudo, da grande indústria alimentar em confeccionar comida hipoproteica para estas pessoas, que estariam acessíveis em todos os lugares e não restritas a um receituário médico. Possibilitando com isso que a família pudesse estar em um restaurante e ter a satisfação em ver a filha pedir refeições completas que seriam confeccionadas com produtos livres do aminoácido fenilalanina, ou simplesmente sem proteína, abrangendo outras patologias.
Paula e Joana no lançamento Livro "Planeta PKU" |
Sei que se ela pudesse realizar um único desejo, seria a cura da filha, pois conhece a gravidade da doença, mesmo sabendo da maturidade dela e de como leva a sério a dieta, sua vida seria mais leve. Graças ao diagnóstico, àquele telefonema, ao tratamento rápido e eficiente Joana não tem nenhuma sequela, é muito saudável e feliz.
No livro que escreveu Paula conseguiu passar uma imagem positiva da doença, pois, aos poucos, juntou os pedacinhos do seu mundo que ruiu construindo um novo e belo mundo, onde agora habita com sua família que aumentou. Conta com o apoio de um companheiro com o qual tem um filho, escrevendo uma linda história repleta de amor, esperança, tolerância e aceitação.
Termino este breve relato, sobre esta mãe que tanto admiro, com a seguinte afirmação:
“Ser diferente é normal! Esta doença, todas as privações inerentes e tudo o que a envolve, vem para ensinar alguma coisa. A mim trouxe a descoberta do gosto pela cozinha e a publicação do livro, entre tantas outras coisas e partilhas com outros pais. Mas acima de tudo a minha filha “especial e rara” que é a razão do meu viver e a coisa mais importante da minha vida, juntamente com o irmão.” Paula Toscano.