Conheci a Fernanda e sua família no Shopping.
Muito sensível notou a hiperatividade do Victor, aproximou-se de mim e com espontaneidade disse - Não é fácil, né! Prosseguiu, demonstrando que sabia bem o que eu vivia: - Estes são meus filhos, são gêmeos e ambos autistas. Venho aqui às vezes para que fiquem um pouco à vontade, não tenho muito espaço em casa, e com mal tempo não há muitas opções(...)
Meu primeiro pensamento foi de comparação, eu com um filho atípico vivo numa correria, essa mãe deve se desdobrar para dar conta; o segundo pensamento de admiração, ao ver duas crianças tão bem cuidados e tão felizes.
Quis ser útil de alguma forma e lembrei-me de falar sobre o Color Party, espaço de festas com brinquedos na Maia, onde eu sempre levava o Victor, sentia-me bastante segura em indicar, devido ao cuidado e carinho genuíno dos colaboradores para com ele.
Não pude conversar mais do que cinco minutos, despedi-me e fui embora, pois o meu pequeno já ia longe com o pai.
Volta e meia lembrava-me daquela mãe com gémeos autistas…
Até que a reencontrei no Color Party, partilhamos contacto telefónico e começamos a conversar para trocar informações e experiências.
Sempre compartilhamos dicas e novidades do universos autista.
Aos pouco soube que por trás daquela mulher aparentemente forte e guerreira há uma grande perda, que ainda a faz sofrer.
Teve uma gestação anterior, também gemelar, dois meninos. Infelizmente ao quinto mês soube que um dos bebés parou de crescer, teve de ser internada e acabou por perder também o bebê que crescia bem.
Acontecimento que desencadeou depressão, havia sido difícil engravidar, nada a fazia sentir-se melhor.
Para sua surpresa decorrido seis meses descobriu que em seu ventre havia dois corações a bater, outra gravidez gemelar, desta vez um casal!
Sentia-se grata, viveu um misto de emoções, tristeza pela perda anterior, medo, mas também muita alegria.
Encheu-se de coragem e como a Fênix, pássaro da mitologia grega, esta mãe renasceu das cinzas com toda a força e fé; disposta a fazer tudo o que fosse necessário para ter os filhos nos braços.
Não contava com o descolamento de placenta com sangramento aos quatro meses, um grande susto! Seguiu as recomendações médica e conseguiu levar a gestação até às 34 semanas. Os bebés nasceram e foram direto para o CTI neonatal. Quem já passou por este momento sabe o quanto é difícil, pois, os pais só podem estar lá por um período do dia.
Ciente da importância do vínculo nos primeiros dias de vida, ela chegava à CTI às 8 da manhã e só saía às 20h, falava com os bebés e sempre que possível tocava-os. Após 18 dias pôde levá-los para casa onde recebiam muitos cuidados e carinho.
Aparentemente pareciam crescer e se desenvolver bem, até que começaram a apresentar comportamentos estranhos como falta do contacto visual, auto agressão, manias, atraso na fala, e o modo como andavam era diferente.
Todos estes indícios a levaram a procurar ajuda, até que uma pediatra especialista em Neurodesenvolvimento chegou ao diagnóstico de autismo.
Foi doloroso para os pais e a mãe martirizava-se, chorava muito, e até cogitava-se se haveria feito algo errado que pudesse ter provocado o autismo nas crianças.
Felizmente percebeu que chorar e pensar daquela maneira não mudaria sua realidade, nem ajudaria seus filhos. Então, começou a buscar informações sobre o Autismo e recursos para os filhos, como terapias.
Hoje ela sabe que o autismo é uma condição que afeta 1 a cada 62 crianças. Não existe uma causa ou “algo” que provoque o autismo.
Já compreende que o cérebro do seus filhos funciona e aprende de uma maneira muito particular, que os comportamentos inadequados não são birras, mas sim uma maneira de se expressar.
Sente uma grande angustiante por não compreender o que os filhos querem, amenizada com a alegria de ouvir Maria que começou a falar, facilitando muito a comunicação entre elas.
Segundo os médicos a Maria tem um grau mais leve da doença, Rafael uma apresentação mais grave.
Há um ano ele ficou cerca de vinte dias sem dormir. Foi terrível. A mãe já estava entrando em esgotamento, recebeu um artigo sobre os benefícios do Canabidiol no tratamento do autismo.
Buscou mais informações e uma médica que prescreve, e acompanha a evolução do paciente. Após início do tratamento o filho tem dormido bem, está concentrado facilitando a aprendizagem, os comportamentos inadequados diminuiriam significativamente e a convivência em família tem melhorado.
O marido tem sido um grande companheiro, sofreu muito com o diagnóstico. Ama muito os filhos e lê tudo o que a esposa traz sobre o autismo para compreendê-los.
Ambos pensam que a melhor estratégia para que os filhos se desenvolvam plenamente dentro de suas potencialidades não está nas mãos dos terapeutas e da escola, os terapeutas são muito importantes, a escola também, mas quem passa a maior parte do tempo com as crianças são os pais. Eles têm consciência de que são o caminho para as aprendizagens e a inclusão dos filhos no mundo.
Fernanda segue Vencer Autismo aprende muito com eles e sente que não está só nesta trajetória repleta de grandes desafios e dissabores, sobretudo quando o tema é conviver em sociedade. Sente que o mundo que a cerca não está preparada para aceitar e conviver com o autismo.
A mãe sofre ao ver os filhos sendo vítima de preconceito, muita gente não percebe que são crianças autistas. Isto porque o autismo não tem cara, pensam que são crianças mal educadas. Nesses momentos vira fera, e não se importa em ser desagradável, está defendendo os filhos e não tolera tanta ignorância.
Sempre diz que o preconceito só será vencida quando mais e mais mães e pais tiverem coragem de sair de casa com seus filhos autistas para que eles relacionem-se no mundo, aprendendo e ensinando o tempo todo...
Afinal, são pessoas que também merecem respeito e atenção.
Admiro a forma como ela lida com a condição dos filhos, o tempo e amor que dedica a eles, a alegria com as pequenas conquistas e o desejo de que sejam felizes e aceitos como são.
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